segunda-feira, 29 de abril de 2013

Mídia continua sob censura, mesmo com o fim da ditadura

Se hoje houvesse uma democracia de comunicação plena, nós teríamos mais olhares, mais fontes diferenciadas, mais vozes e mais possibilidades de versões, diz especialista em ética
Por Pablo Mingoti

Democracia na mídia foi um dos temas do palestrante
A noite estava fria e chuvosa. Conversando com os presentes, o autor do livro A Ética Jornalística e o Interesse Público esperava a palestra na UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) começar. Com o olhar atento na plateia de estudantes de jornalismo, o jornalista Francisco José Karam começa relembrando a falta de liberdade da imprensa na época da ditadura militar. Mas logo vai mostrar que o cerceamento da imprensa pelos poderes políticos e econômicos no Brasil não se limita ao período do golpe militar e está relacionado à ética da profissão até os dias de hoje.

Nos anos de chumbo, a mídia enfrentou os mais duros ataques de sua história contra a falta de liberdade. Qualquer tipo de manifestação contra quem estava no poder era retirado da pauta dos meios de comunicação. Jornais foram extintos; as matérias, antes de publicadas eram lidas pelo censor do governo; jornalistas foram perseguidos, torturados e mortos por dizer a verdade. A partir daí, a falta de democracia na comunicação se tornou um fato recorrente.

Com o fim da ditadura militar, a questão da liberdade de imprensa no jornalismo entrou para o foco das discussões de todas as esferas públicas. De acordo com Francisco José Karam, que é professor de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), caso hoje realmente houvesse uma democracia midiática plena, nós teríamos mais olhares, fontes diferenciadas, mais vozes e mais possibilidades de versões. Em palestra aos estudantes do Jornalismo da UNISUL, Karam afirmou que o cenário ideal para a democratização da mídia é o fim dos monopólios, com mais concorrências e mais empresas.

Hoje a concentração nos meios de comunicação está nas mãos de poucos. Por exemplo, a Rede Globo tem 35 grupos ligados à rede, controlando nada menos que 340 veículos de comunicação. “O que segura a Globo e a estrutura com 23 mil empregados que trabalham com informação, programas documentais e dramas é a ocupação do território nacional, as novelas e o comercial ", explica Karam. Os chamados “donos da mídia” no Brasil são famílias que controlam as redes privadas nacionais de TV aberta e seus 138 grupos regionais afiliados, que são os principais grupos de mídia nacionais.

Com a exibição do primeiro Jornal Nacional em 1º de setembro de 1969, o telejornalismo começava a apresentar um caráter  monopolista. Como as emissoras se encontravam na região sudeste do Brasil, os programas e os próprios telejornais acabaram lançando modelos de comportamento fabricados em São Paulo e no Rio de Janeiro para todo o Brasil que persistem até os dias atuais.

Em relação aos jornais impressos atuais, os movimentos que são vistos como ameaça ao poder público e econômico são ignorados pela mídia. O professor João Batista de Abreu, vice-diretor de comunicação social da UFF (Universidade Federal Fluminense),  diz que a censura nos jornais ainda ocorre. “A falta de democracia nesses meios acontece principalmente com o movimento MST (Movimento dos Sem Terra), que é retirado de pauta”, aponta. Armando Nogueira, pioneiro no telejornalismo, acredita que a censura é dolorosa como uma doença: suporta-se porque há sempre esperança na cura e instinto de sobrevivência.

Na democracia é impossível escolher bem sem estar bem informado. A comunicação deveria ser livre de regras e normas, mas se sabe que não funciona dessa maneira. O que pode transformar esse cenário é a questão das redes sociais, onde a informação circula livremente sem obedecer ao controle de linhas editoriais e interesses econômicos. “Muitos acreditam que, com o fortalecimento da internet, as redes sociais e as novas tribos vão redefinir a questão da democracia da comunicação social”, complementa o palestrante Karam. 

Com a chuva fina que cai ao lado de fora, o local da palestra se torna um corredor para alunos de outros cursos da Universidade do Sul de Santa Catarina.  “Vamos começar a encerrar... está cada vez mais difícil”, lamenta Luciano Bitencourt, um dos organizadores do evento. A discussão é perturbada pelo trânsito de pessoas e conversas, em uma demonstração de que a falta de ética não ocorre somente no jornalismo. “Deve ser a primeira palestra de corredor que você fez”, conclui Luciano. “Não, não foi a primeira. Eu já falei uma vez no escuro, quando faltou luz. A dúvida era se quando acendesse a luz, haveria alguém...”, brincou. Em nome da organização do evento, a professora Giovanna Benedetto, agradeceu o convidado, que parecia querer discutir mais. “Temos muitos assuntos para discutir, mas precisa-se de tempo", comenta o jornalista. Os presentes foram saindo um a um. As luzes se apagaram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário